LIVRAI-NOS DO MAL

Em uma noite chuvosa, dentro de uma lanchonete isolada, Maddie recebe uma mensagem misteriosa de um desconhecido e uma chamada de vídeo enigmática de alguém em apuros. O que parecia ser um caso para a polícia local se transforma em um pesadelo mortal quando ela estranhamente se vê envolvida nesse mistério, com um estranho que tem seu número, sabe seu nome e uma carta de tarô diabólica endereçada à ela.

Nossa, obrigado por ter ido até o Dave. Caramba, já estava começando a achar que ele tinha desaparecido!

Eu ainda encarava a mensagem seguida de um emoji de uma carinha sorridente e sem graça pensando no que havia acabado de acontecer. Olhei mais atentamente a foto do rapaz de cabelos castanhos e olhos verdes, espremendo os olhos em uma tentativa de me lembrar dele. Mas nada vinha à minha mente. Ele era um total estranho que tinha o meu número por algum motivo. E quem diabos era Dave? 

Suspirei e digitei: Hum… quem é Dave? Ele visualizou segundos depois, já digitando logo em seguida: Dave Scott?, seguido de um emoji de expressão confusa. Me desculpe, mas nunca ouvi falar dele, respondi. O estranho rapaz ficou cerca de um minuto sem me responder, para então enviar apenas um “ok”. Coloquei o celular no bolso da calça novamente só para então ele vibrar mais uma vez. Suspirei e abri a mensagem: Que estranho. Bem, eu deveria ter ido buscá-lo porque ele me disse que o carro dele quebrou, ele comentou. Franzi o cenho e quase pude vê-lo fazer o mesmo também. Aquilo estava começando a me assustar.

E agora eu estou aqui, mas ele não está em lugar nenhum, ele continuou. Já tentou ligar para ele?, escrevi já um pouco impaciente. Sim, só que caiu na caixa postal. Ele ficou online por alguns minutos e tudo que ele fez foi me dar o seu número, a resposta dele fez alguns calafrios percorrerem minha espinha. Isso não é possível. Eu e ele nem nos conhecemos!, enviei rapidamente. O estranho digitou e enviou: bom, é o que parece

De repente, o chat de mensagem sumiu e deu lugar a uma chamada de um número desconhecido para mim. A foto do contato era de um jovem de cabelos pretos e olhos castanhos. 

Olá?… pode… pode me ouvir? O sinal é bem ruim aqui… olá? Tenho algo importante para contar… eu… Fallwood… sinto muito 一 a voz dele saía extremamente modificada e chiava por conta do péssimo sinal. Fui tomada por um acesso de coragem repentina e voltei até o chat de mensagem com o estranho. Algo me dizia para avisá-lo. Algo me dizia que aquela ligação havia sido do tal Dave. Com certeza, tudo deve ser só um engano mesmo. Me desculpe por incomodar você, ele havia enviado durante a chamada e agora estava offline. Droga! Meus dedos correram fervorosamente pelo teclado minúsculo em uma tentativa esperançosa de que ele ainda estivesse perto do celular. Oi? Você está aí? Acabei de receber uma ligação muito estranha e acho que pode ser o Dave!, enviei seguido do registro do tal número. Esse é o número do Dave! Ele falou alguma coisa?, ele respondeu na mesma hora. Não deu para entender muito bem. Ele só disse que sentia muito, contei. 

Olhei ao redor me perguntando o que estava acontecendo. Não havia me dado conta de quanto tempo havia se passado e a noite já havia caído. Eu havia acabado de voltar do meu primeiro dia no pequeno jornal de Grimside e parado em uma lanchonete para pegar meu jantar e voltar o mais rápido possível para casa e me enrolar em minhas cobertas. Pelo que parecia, uma simples mensagem de um total estranho estava prestes a assombrar meus pensamentos. Eu não fazia ideia de quem era Dave e muito menos como ele poderia ter meu número. Eu havia acabado de entrar para o jornal. Ninguém tinha meu contato, tão pouco ter passado ele para alguém estranho. E toda essa situação bizarra… quem quer que fosse Dave, ele parecia estar com problemas. A chamada quase inaudível e estranha e a forma como ele falou… foi quase como se ele realmente me conhecesse de algum lugar. Mas de onde? Como? Fallwood era uma cidade vizinha que ficava a cerca de meia hora de Grimside. Todos aqui a conheciam. Ela era famosa por suas lendas urbanas e folclore local, além de casos misteriosos, que inclusive serviam até mesmo como atração turística para a cidade. O que será que Dave estava tentando me dizer? Não, ele havia passado o contato errado para o amigo. Tinha que ser isso, ou algo muito estranho estava acontecendo ali.

Me desculpe, eu nem me apresentei. Me chamo Adam, o estranho se apresentou. Maddie, prazer, eu achei justo retribuir. Ele parecia realmente preocupado com o amigo. Você poderia  ficar um pouco mais? Vou dar mais uma olhada ao redor só para ter certeza, ele pediu. Respondi apenas com um emoji de “joinha”. Eu realmente sinto muito, Maddie. Só quero encontrar o Dave logo, Adam me enviou uma mensagem no celular novamente.

Está tudo bem, Adam. Mas não estava. Coloquei as mãos no rosto e apoiei o celular na mesa da lanchonete, olhando através da janela. Uma chuva caía em cascatas lá fora, como se alguém estivesse a despejando em baldes. Os trovões faziam as janelas do estabelecimento estremecerem. Talvez fosse um sinal para que eu ficasse com Adam um pouco mais. Tampouco eu iria para casa debaixo daquela chuva.

A tela do meu celular se iluminou com uma nova mensagem do estranho não mais tão estranho assim. 

Hum… Maddie? Posso ligar para você?

Era difícil interpretar emoções por mensagens, mas havia algo naquela frase em particular que me incomodou. E que fez arrepiar os pelos do meu corpo. 

Um minuto, eu mandei já tomando a iniciativa e apertando o botão para iniciar uma chamada de vídeo. Adam me atendeu com um sorriso fraco e tenso. Ele caminhava pelo que parecia ser uma floresta. O ar estava úmido e frio, saindo vapores de sua boca conforme ele respirava enquanto caminhava.

一 Ah, oi 一 ele disse. 一 Eu achei o carro do Dave. Mas isso está muito estranho. Olha só 一 ele virou a câmera do celular para me mostrar. Adam estava em uma estrada escura, rodeada apenas por árvores altas. Logo à frente, havia um carro preto com os faróis ligados e a porta do motorista aberta. Quando ele se aproximou mais, também notei que o rádio estava ligado.

一 O Dave saiu do carro… para a floresta? Mas por quê? 一 eu me questionei com o semblante tão confuso quanto o de Adam. 

一 É como se ele tivesse visto alguma coisa… uma coisa que o fez ir para a floresta 一 ponderou ele. 一 Espera aí. 一 Adam desligou o rádio e colocou o celular em um ângulo meio torto, se distanciando do aparelho em seguida. Pude ouvi-lo ao longe chamando pelo nome do amigo. 

一 Adam, não vá para a floresta! 一 eu berrei para o telefone. 

Vários minutos se seguiram e o único som que eu ouvia eram dos grilos e de galhos secos sendo quebrados. 

一 Adam? 一 eu chamei de novo. 一 Adam! 一 Em pouco tempo, todo aquele mistério estava realmente começando a me afetar e me fiquei preocupada com duas pessoas que até então eu sequer conhecia. 

Fui tomada por um susto quando uma mão gigante apareceu na tela e Adam se sentou no banco do motorista, suspirando.

一 O que aconteceu? 一 eu quis saber. 

一 Dave está aqui em algum lugar 一 murmurou ele, ofegante. 一 Olha o que eu achei 一 Adam então me mostrou um aparelho que logo reconheci ser algum tipo de walkie-talkie, que piscava uma luz amarela e emitia um som agudo.

一 O que é isso?

一 Não faço ideia. Estava caído bem na entrada da floresta. Estava com o Dave,  eu tenho certeza! 

一 Mas por que ele teria isso? E como ele tem meu número? Adam, acho melhor a gente chamar a polícia! 一 sugeri, completamente aterrorizada. Vê-lo ali tão vulnerável no meio de uma floresta escura atrás do amigo que claramente estava em apuros me deixava cada vez mais nervosa. 

Mas Adam apenas me ignorou e começou a vasculhar o porta-luvas com uma certa impaciência furiosa.  

一 Adam, está me ouvindo? Temos que chamar a polícia! 一 insisti.

Mas ele só continuou me ignorando enquanto jogava no banco do passageiro tudo o que encontrava no porta-luvas. De repente, ele parou e me encarou com os olhos muito assustados. 

一 Maddie? Acho que você vai querer ver isso 一 ele mexeu no celular e mudou para a câmera frontal, revelando um envelope… com o meu nome. Meu corpo se arrepiou por inteiro.

一 Adam… eu … não  faço ideia….

一 Você quer que eu abra?

一 Precisava perguntar?!

Minhas mãos suavam enquanto eu o observava abrir o envelope. Dentro dele, havia apenas uma carta de tarô – uma carta de tarô bizarra com uma figura negra humanóide demoníaca com mãos e pés de bode. Logo abaixo, havia uma inscrição dizendo: “O Estranho”.

一 Adam, isso tem que ser algum tipo de piada de mau gosto! 一 falei incisiva enquanto ele me encarava com os olhos arregalados. 

一 Mas como isso é… 一 Adam começou, mas foi interrompido quando nós dois ouvimos um som vindo da floresta. 一 Dave! 一 Ele gritou antes de encerrar a chamada abruptamente.

一 Não, Adam! 一 berrei em vão para a tela escura.  Algumas cabeças nas mesas espalhadas ao meu redor se viraram na minha direção e suspirei, me sentindo minúscula naquele lugar de repente.

Passei as mãos pelo meu cabelo, nervosa, e abri o aplicativo de telefone para chamar a polícia. Aquilo já estava indo longe demais. Só que algo me dizia para não fazer aquilo. A mesma voz que me fez olhar instintivamente lá fora. Parecia haver alguém nas sombras em meio à chuva. Agarrei meu celular com força, como se ele fosse um escudo que me protegeria do que quer que estivesse lá fora ou atrás de Adam e Dave na floresta. 

Meu celular vibrou e eu automaticamente abri as mensagens na esperança de ser Adam, apenas para ver um número desconhecido com uma foto de contato macabra exibindo um homem com capuz. Você não devia andar pela floresta escura sozinha, ele escreveu. Engoli em seco, tomando coragem para responder. Não sei do que está falando

Digitando…

Acho que você sabe muito bem.

Digitando…

Maddie …?

Digitando… apagando… digitando…

Acho que você deveria se esconder agora.  

Olhei ao redor rapidamente tentando não chamar mais atenção do que já havia chamado e caminhei a passos largos até o banheiro mais próximo e me tranquei lá desesperadamente. De repente, algo me ocorreu. Adam estava na floresta. 

Quase como um milagre, ele iniciou outra chamada de vídeo.

一 Adam, pelo amor de Deus! 

一 O Dave tá aqui! 一 ele murmurou quase correndo pela mata.

一 Adam, me escuta. Você tem que sair daí, okay? Eu não sei como, mas acho que tem alguém aí nessa floresta e não é só o Dave! 

一 O quê?! Mas como você… 一 ele franziu a testa para mim, mas ficou sério e parou de repente, encarando algo à frente dele. 一 Merda! Temos companhia… 一 a chamada começou a tremeluzir conforme eu perdia Adam de vista e ele parecia quebrar galhos conforme subia em alguma coisa. Então ele virou a tela novamente para que eu olhasse: à princípio, vi uma figura caminhante segurando o que parecia ser uma tocha. Adam deu zoom e pude ver que era um homem. E ele parecia estar procurando por algo… ou alguém. 

一 Adam… sai daí agora!

De repente, escutei sons de galhos se quebrando e em seguida de algo se arrastando e um baque surdo de algo caindo no chão, para então me deparar com Adam caído, gemendo de dor.

一 Você tá bem? 一 eu quis saber. Mas ele parecia muito grogue para responder e a queda pareceu ter afetado o celular e a chamada, que começou a chiar e perder a conexão até cair completamente.

Suspirei, fechando os olhos. Eu não fazia ideia em que tipo de confusão eu havia me metido. Em que tipo de confusão o Dave tinha me metido. E a tal carta de tarô? O Estranho? O que aquilo deveria significar? Como ele tinha meu número? Meu Deus! Adam estava sozinho na floresta com um homem estranho… eu tinha que ligar de volta para ele. Não, era melhor chamar logo a polícia… Será que Adam estava morto? Será que Dave estava morto? Quem havia falado comigo pelo celular? Será que era o mesmo homem da tocha na floresta? Minha cabeça doía e meus olhos ardiam com o pânico crescente que foi se instaurando em mim, e os fechei por alguns segundos esperando abri-los novamente e acordar de um sonho ruim.

Então algo vibrou abaixo de mim. Atordoada, mal havia percebido que havia jogado meu celular no chão do banheiro. Devagar, notei que era uma chamada. De vídeo. E de Dave. 

Com a mão trêmula, eu atendi.

Dave me encarava pela tela sem dizer nenhuma palavra. Ele parecia estar escondido em algum lugar. Havia uma espécie de mancha escura cobrindo parte de seu rosto, como se ele estivesse escondendo seu celular atrás de alguma coisa ou ele estivesse em um ângulo estranho. Escutei sons de galhos secos sendo quebrados, além do que poderia ser o som de uma goteira pingando gotas em um ritmo lento.

Então, de repente, o som. Um assovio; à princípio suave e agudo, mas que foi crescendo e parecia estar se aproximando cada vez mais de Dave, se transformando-se em uma melodia melancólica, macabra e quase hipnótica, e que parecia prestes a dar o bote em sua presa.

O assovio ecoou mais uma vez; agora ainda mais lento, quase como se o ritmo fosse uma espécie de contagem regressiva até sua vítima. Até Dave. Este, que me encarou tomado pelo mais puro terror antes do assovio cessar de vez e eu vislumbrar seu rosto pela última vez.

Sobre o autor: Jornalista, colunista, leitora, escritora, autora independente já com dois livros lançados na Amazon, gosta bastante de livros de fantasia, mas também é uma curiosa e entusiasta fã em particular de histórias de suspense, mistério e True Crime, além de gostar da sensação de se prender em um mistério e desvendá-lo junto com os personagens. Sua autora favorita é a eterna Rainha do Crime, Ágatha Christie, em quem busca se inspirar muito. Quando não está lendo ou escrevendo, você sempre irá encontrá-la maratonando sua série favorita ou ouvindo histórias bizarras em podcasts de casos criminais.

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Apresentado pelo enigmático Amadeus Cripta, guardião dos segredos mais sombrios escondido nas profundezas de uma antiga catacumba, "Ecos & Silêncio - Volume 1" é uma coleção imperdível de contos macabros que promete arrepiar até as almas mais corajosas. Neste volume você encontrará Vozes do Submundo, O Jugo da Escuridão, Safra Perfeita e Ventos Passados. Sente-se, relaxe e desfrute da escuridão.

Vozes do Submundo: Um conto cheio de aventura e criaturas sinistras, onde o irmão mais velho embarca numa jornada desesperada para salvar o mais novo.

O Jugo da Escuridão: Um jovem promissor, recém-promovido, é surpreendido pela violência à porta de sua casa. Durante treze dias, as coisas irão piorar expressivamente, mergulhando-o num abismo de desespero e medo.

Safra Perfeita: As coisas não vão bem na fazenda dos Maldonado. A filha do fazendeiro, Elisa, tem revelações terríveis e observará mudanças bizarras na fazenda. Será uma oportunidade ou uma maldição?

Ventos do Passado: A história de Celina. Uma mulher na meia idade, ávida por livros de romance. Desejosa por um amor idealizado, ela o recebe de onde menos espera.

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Ano: 2024

ISBN: 9786501106076

Páginas: 92

Papel: Polen 80g

Formato: 14x21cm

Acabamento: Brochura

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