A TROCA

Marília é uma garotinha entediada que se sente abandonada pelos próprios pais. Em mais uma festa chata de trabalho do seu pai, ela irá encontrar um local muito especial, com algo muito inesperado nele.

O carro sacolejava por mais de uma hora na estrada de chão. Um gigantesco, belo e moderno Opala Diplomata 91 preto. Top de linha da época. Dentro dele estava Marília, quicando sobre o banco traseiro de tecido macio. Ela estava contrariada, pois não queria ter ido a mais um evento desinteressante. Outro jantar, festa ou sei lá o quê que seu pai, por conta do trabalho, arrastava a família toda. Ainda que estivesse emburrada, Marília estava encantada com a luz intensa da lua cheia naquela noite. Como mágica, a luminosidade projetava das árvores sombras negras e intensas sobre o campo liso dos pampas. Sombras tão nítidas que lhe pareciam projetadas pelo sol em um dia de céu limpo e azul. Nos bancos da frente estavam o pai de Marília e sua mãe. Ele era um proeminente político federal, já sua mãe, uma apreciadora dos luxos que essa posição proporciona. Claro, às custas do espólio da população e do erário proveniente disso. Sem mencionar os discretos pacotes pardos forrados de cruzeiros que iam para casa após esses eventos enfadonhos.

— Já chegamos? — A menina entediada perguntou com ar de reclamação.

— Marília, não incomode. Está bem? Tu já deste teu showzinho hoje. — O pai respondeu com um tom severo.

— Marília, não incomode… — Marília imitou baixinho para não escutarem.

Não muito tempo depois, eles adentraram uma bela porteira de madeira com dois grandes pilares de pedra. Sobre eles, robustas esculturas de cabeças de cavalo que pareciam feitas de metal escuro. O balanço do carro melhorou muito, e deu lugar ao som dos pneus sobre os paralelepípedos da estrada que levava à casa da fazenda. A garotinha, na janela traseira do carro, observava cada detalhe. Pôde ver as dezenas de cabeças de gado que estavam paradas na cerca delimitadora da área domiciliar e o vasto campo ao redor. O gado adora música. Do lado oposto, um pouco mais longe, avistou um estábulo cheio de cavalos, iluminados por uma luz amarelada. Viu também que não tinha nenhuma criança brincando em volta da antiga, mas luxuosa, casa de fazenda. Seria mais uma entediante experiência cheia de velhos com conversa esquisita e sem nada, absolutamente nada para fazer.

Eles desceram do carro e logo foram recebidos com fervor pelo anfitrião. Um homem gordo e de cabeça branca, pilchado para festa. — Seja bem-vindo, deputado… blablablá… um prazer receber sua família, deputado… blablablá… — Marília repetia as falas mentalmente fazendo vozes engraçadas em sua cabeça. Todos entraram na grandiosa antessala e depois na sala da lareira maior ainda. Havia cerca de 30 pessoas no evento. Todas bem vestidas, quase como para um baile. Homens de terno bem alinhados ou pilchados de forma elegante, mulheres exibindo roupas de grife e joias extravagantes. Marília trajava um lindo vestidinho rosa quase branco, uma pulseirinha de pérolas e uma delicada presilha de prata e pedras no cabelo em formato de libélula. Eles andaram para lá e para cá entre as duas salas. O pai conversando com os grandes fazendeiros e vereadores sobre a necessidade de criar regulamentações para o setor, pois os novatos “estavam atrapalhando seus negócios”. A mãe ostentando seus luxos para as esposas e “esposas”, gabando-se de viagens e festas chiques. Marília, por sua vez, os seguia de grupo em grupo servindo como algum tipo de alívio fofo à situação. Ela preferiria estar em casa, assistindo TV ou brincando com a babá, a única pessoa que parecia se importar com ela.

Após o jantar, a garotinha pediu para que pudesse dar uma volta e ir ver os cavalos. Sua mãe negou imediatamente. Imagina se ela iria andar com seu vestidinho francês, em um lugar sujo como um estábulo. Marília, então, fez sua cara de irritada, ameaçando gritar e envergonhar a mãe diante de todas aquelas mulheres. — Marília, minha filham dê uma voltinha na casa então. Que tal? Só não vá se sujar. — A menina havia conseguido o que queria, parcialmente. Satisfeita, ela saiu pela grande porta da varanda da sala da lareira. Sabia que se saísse pela porta principal, sua mãe perceberia a intenção de ver os cavalos. Seu plano era simples. Dar a volta por trás da casa e ir ao estábulo, mesmo assim.

A noite começava a ficar fria naquele início de outono, o ar fresco gelava seus bracinhos descobertos, mas isso não atrapalhava sua obstinação. Rodeou algumas vezes pela grande varanda lateral, mexeu em alguns objetos antigos sobre os aparadores encostados na parede. Apertou os botões de uma enorme e velha caixa registradora de ferro. Havia também um moedor de ferro completamente enferrujado, o qual não conseguiu girar a manivela. Uma pilha de revistas velhas e listas de telefone dos anos passados empilhavam-se entre alguns vasos de flores. Após explorar tudo, notou que sua mãe estava distraída e não a observava mais, seu pai há muito tinha desaparecido de vista. Devia estar nas corriqueiras conversas particulares, de onde sempre vinham os discretos pacotes pardos.

Marília se encaminhou para os fundos da casa. Logo estaria vendo os cavalos. Lá havia uma grande gaiola com um periquito azul que pulava de um poleirinho para o outro. Ela achou lindo, nunca teve a oportunidade de ver um pássaro tão belo de perto. Quando tentou tocá-lo, a luz da área de serviço acendeu, assustando ela e o pássaro. — Shhh!! — Marília fez para o passarinho enquanto se escondia escorada na parede abaixo da janela. Enquanto via a sombra de uma pessoa caminhando dentro do cômodo, percebeu que a claridade iluminava um estreito caminho de cacos de pedras que levava até um portão de madeira cinzenta. A luz se apagou e ela se levantou. — Já volto, azulzinho. — A menina pegou o caminho até o portão para ver o que tinha depois dele. Caminhando cuidadosamente sobre as pedras para não sujar seus sapatinhos brancos com a terra que começava a ficar úmida com o sereno. Delimitando os fundos da residência, a cerca estava fechada com trepadeiras. Não era fácil ver o que tinha além dela, ainda mais para uma garotinha de 1,05m de altura. Chegando no portão, ela apoiou-se nele e escorou sua testa para ver entre as frestas. O caminho iluminado pelo intenso brilho da lua levava até um pequeno bosque de mata nativa a uns 50 metros da casa. Em sua entrada havia um belo arco de ferro e lá dentro, na escuridão, Marília pôde ver uma tremulante luz amarela.

Os cavalos já não pareciam mais tão interessantes quanto aquele bosque. A menina, animada com o local, ansiava por observar de perto a tênue luz dentro do bosque. Seria uma vela? Uma lamparina? Haveria lá dentro a entrada para um reino mágico como o das histórias que a Tia Sandra, a babá, lhe contava? Viver um mundo de fantasia seria muito melhor que o seu, onde se sentia isolada e carente. A tranca era alta demais para ela. Marília tentou algumas vezes abri-la, pulando. Sem sucesso, decidiu buscar uma vassoura na área de serviço para ajudá-la. — Não conte a ninguém, azulzinho. — Esperando a cumplicidade do pequeno animal. Com a vassoura, empurrou a trava. O portão abriu, soltando um rangido estridente, devido suas dobradiças pesadas e gastas.

A menina saltitou, pulando de pedra em pedra. Na metade do caminho, olhou para trás. A casa iluminada continuava lá, o portão entreaberto também, a música, conversas e risadas da festa, continuavam ecoando na noite. Estava tudo bem, ninguém ligava mesmo. Continuou.

Debaixo do imponente arco de ferro trabalhado, ela se sentiu pequena, ainda menor do que já era. Observou nas laterais dois peixes feitos de tiras de ferro torcido. Eles apontavam para cima como se nadassem nessa direção, onde passariam por duas palavras que não conseguiu ler, indo ao encontro do centro do arco. No topo havia um rosto de mulher com cabelos longos e duas caudas de peixe saindo uma para cada lado da cabeça. A beleza dos ornamentos e das figuras encheram Marília de fantasias infantis. Estava entrando em um reino mágico, como pensara. Sem perder mais tempo, ela continuou passando de pedra em pedra até a fonte da luz dentro do bosque. Conforme entrava na mata, as pedras iam ficando mais úmidas, quase fazendo a menina escorregar. Não podia sujar-se de modo algum. Ela chegou até o lampião a querosene preso por uma haste ornamentada com algas e aos seus pés viu um belo lago em meio ao bosque. Não era grande, pois a luz fraca de um único lampião iluminava todas as bordas. Ela achou aquele lugar lindo e mágico. Nunca estivera perto de nada parecido.

— Olá, linda menina! — Do lago, soou uma voz calma e serena.

— Quem está aí? — Marília olhava para todos os lados procurando alguém.

— Não tenha medo.

— Aonde tu estás?

— Estou no lago. Quer me conhecer?

Da margem oposta do lago, nadando sob as águas escuras e lisas, um pequeno peixe se aproximou de Marília. Era uma cinza e sem graça carpa europeia.

— Estás sozinha aqui, senhora peixe? Sua voz parece triste.

— Moro sozinha neste lago. Mas já estou solitária há muito, muito tempo. Pode me chamar de Melusina.

— Que lindo nome, Melusina. Sabe, eu também me sinto solitária às vezes. Agora mesmo estava muito triste, mas fiquei feliz por te encontrar.

— Oh. Eu também, linda criança. Teus pais não te amam como deveriam. Vejo em seus olhos azuis e tristes. Os meus me foram tirados quando fui levada do meu lar em Schwarzwald. Desculpe. Floresta Negra, como chamam por aqui.

Marília e Melusina conversaram por um bom tempo. Era como se o relógio não andasse naquele bosque, às margens do lago. Nem sequer podia ouvir mais as músicas e as conversas. Marília já havia se ajoelhado sobre as pedras que delimitavam aquele lago artificial. Não ligava mais que a umidade e o limo sujassem sua quentinha meia-calça branca. Tudo aquilo parecia um lindo sonho para aquela garotinha.

— Ouça, Marília querida. Eu não sou um peixe, na verdade. Sou uma linda nixie, ou sereia, se preferir chamar assim. Sou quase tão bela quanto tu. Para me ver realmente, tudo que precisa fazer é apagar essa lamparina e então sob a luz da lua tu me verás.

A menina ficou um pouco apreensiva, mas não era muito suscetível aos temores da escuridão. Tinha caminhado pela noite até chegar ali. — Confie em mim, amorzinho. — Disse-lhe o peixe. Ela então levantou-se e foi até a haste com o lampião, ficou nas pontas dos pés, levantou o vidro com a alavanca e soprou. Seus olhos, com a luz impressa no fundo da retina, caíram na escuridão. Nem mesmo a forte luz da lua cheia fez com que ela visse algo. Marília caiu em um breu completo enquanto uma brisa forte assobiou por entre as árvores. Ela então ouviu o som da água se movimentando intensamente. Algo estava mudando no lago. Conforme seus olhos se acostumavam ao escuro, ela pôde ver o reflexo da lua sobre o espelho d’água que voltou a seu estado natural.

Marilia, com muito cuidado para não tropeçar, ajoelhou-se novamente à beira do lago e então conseguiu ver uma grande figura sob as águas. Tinha a forma de uma mulher, sem roupas, com longos cabelos flutuantes, brancos como neve. Possuía uma cauda de peixe cinza da cor da carpa que tinha visto antes. Seus olhos eram brilhantes e amarelos como a chama da luz que acabou de apagar. A imagem não era clara, pois as águas eram escuras e o ser ali em baixo não ousava aproximar-se da superfície.

— Esta sou eu, linda Marília. O que acha? — Falou Melusina do fundo do lago.

— Não posso te ver bem, mas já sei que és a criatura mais bela que já vi.

— Infelizmente, não posso sair daqui para que me veja por inteiro. A menos que troquemos presentes.

— Presentes? Adoro presentes… mas não tenho o que lhe dar. — Falou a menina, com uma voz um pouco decepcionada.

— Para sair, eu preciso de três presentes. Adorei sua pulseirinha de pérolas. Se me deres, te entrego uma pedra brilhante do fundo deste lago.

Marília pensou bem. Olhou para a entrada na mata como se tentasse ver seus pais dentro da casa lá adiante. “Quem se importa.” Pensou. — Eles se importam mais com essas coisas do que contigo, minha querida. — Melusina complementou lendo os pensamentos da menina. Os olhos azuis da garota se direcionaram para a pulseirinha de pérolas. Abriu o fecho da pulseira e a segurou firme. Do fundo do lago negro o ser levantou a mão até quase a superfície. Nela estava uma reluzente pepita de ouro. Dourada como o sol, iluminada pela lua, refletia dourado sobre a palma da mão branca da sereia. Melusina estendeu a outra mão para que a garotinha pudesse colocar seu objeto de troca. Marília sentiu medo. Era mágico, mas amedrontador ao mesmo tempo. Seres como Melusina não eram apenas histórias contadas para dar lições às crianças? A garotinha hesitou.

— Trocar com uma nixie é difícil. Voltarei para o fundo deste lago, e continuarei sozinha. — A sereia fechou a mão, e voltou para a escuridão do fundo do lago.

— Desculpe, Melusina. — E o ser não retornou. — Sei como é triste estar sozinha. Volte. Eu quero trocar com você.

Melusina voltou à superfície e estendeu as mãos outra vez. Seus olhos flamejantes fitavam a menina intensamente. Em seus lábios havia um sorriso indecifrável. Seus cabelos flutuantes que cobriam parte do rosto e a ondulação da água tornavam aquela visão bela e atormentadora ao mesmo tempo. Marília se inclinou um pouco mais, colocou as duas mãozinhas no lago. Com a mão direita largou a pulseira na mão esquerda da nixie e com a outra pegou a pepita de ouro da mão direita. Ao pegar o ouro, Marília sentiu a pele do ser tocar a sua. Era gelada, muito mais gelada que a própria água. A sensação arrepiou seu corpo inteiro de baixo a cima. Rapidamente, Melusina se virou e voltou para o fundo escuro do lago. A água espirrou e molhou o rosto da garotinha. Ela achou aquilo engraçado.

No fundo do lago, Marília pôde ver os olhos brilhantes da sereia. Eles pareciam mais reluzentes do que antes. Melusina saiu calmamente da escuridão e parou um pouco longe da superfície como antes. Estava mais jovem? Ou seria apenas uma impressão? Marília ficou confusa e admirada.

— Estás mais nova? Parece diferente.

— Teu presente aqueceu meu coração, doce Marília. Já posso até sentir o calor do ar aí fora.

Os cabelos de Melusina pareciam diferentes também. Estavam loiros, porém seguiam mágicos da mesma forma. — Sua presilha do cabelo é linda. Acho que ficaria muito bem em mim também. — A sereia falou com uma voz doce e interessada. Após secar as mãos no vestido, a menininha levou-as na cabeça para tirar a presilha. Com o objeto nas mãos, fechou-o novamente e pensou. Pensou em sua mãe e seu pai. Algo fazia com que ela sentisse que aquilo estava errado. Melusina se aproximou, deixando que a luz banhasse mais seu belo rosto e olhou sorridente para Marília. Seus lábios agora eram rosados. Os seios reduziram e a pele estava mais corada. — Como pode ser tão linda? — As duas disseram quase ao mesmo tempo.

Melusina ergueu as mãos como fizera anteriormente. A esquerda vazia e a direita continha uma bela pedra de rubi. Vermelha como sangue jovem.

— Eis aqui a minha segunda oferta. — Falou a nixie.

— Aqui está a minha. — Respondeu a menina.

Marília inclinou-se mais uma vez e tocou a água. Olhando para baixo pode ver o reflexo da lua. Desta vez, ela decidiu prolongar o contato com a mão da sereia, que agora parecia ter a pele mais suave e aquecida. Pegou a pedra e sentiu muito frio. As águas se agitaram e Melusina sumiu no fundo do lago outra vez.

A garota tirou as mãos da água. Arrepiada, sentiu calafrios. Ela juntou os dois presentes e os analisou com minúcia. A claridade daquela noite fazia eles brilharem, porém, brilhavam tão forte que pareciam ter luz própria. Foi quando percebeu que estava ficando pálida. O frio que estava sentindo fizera perder sua cor natural, lembrando de como ficou em uma viagem para a neve com seus pais. Colocou os presentes em seu colo sobre o vestido, secou as mãos nas laterais e então as esfregou para aquecer, fazendo instintivamente para que o sangue corresse. Deu duas baforadas na palma das mãozinhas para amenizar aquela sensação.

— Não tenho mais nada para trocar. — Falou alto, para que a sereia a ouvisse do fundo do lago.

— Sempre há, querida Marília. Sempre há. — Melusina falou enquanto emergia da escuridão.

— O que eu posso te dar?

— Troquemos um beijo e então poderei sair para o teu mundo.

Marília admirou-se outra vez. A sereia estava ainda mais jovem, como uma criança recém-introduzida à puberdade. Seus cabelos não eram mais loiros e tão compridos, estavam um pouco mais curtos e castanhos. As bochechas ficaram rosadas e os olhos cheios de vida, entretanto flamejavam aquela luz amarela como nunca. Parecia que estavam há mais de uma hora ali, essa era a impressão de Marília. Ela olhou para trás e constatou que ninguém a procurava. Era tão estranho. Certa vez ela se afastou por alguns segundos e a babá quase teve um ataque. Seus pais não eram tão zelosos. “Vai ver é por isso”. Pensou. A garota deu um suspiro profundo e triste. — Poderia ficar aqui contigo para sempre. — Marília falou baixinho.

A nixie bateu a cauda e se virou com a barriga para cima, vindo à tona em um movimento suave. Ficou ali a não mais que um centímetro da superfície da água. A menina tirou os presentes do colo, segurando forte com a mão, se reclinou apoiada sobre as pedras da beira do lago e tocou a água com seu rosto. Seus lábios beijaram os de Melusina por alguns segundos enquanto trancava a respiração. Aquele momento que parecia um conto de fadas repentinamente se transformou, quando ela ouviu a agitação intensa da água. Sentiu os respingos gelados. A sereia levantou os braços em um movimento rápido, fora do lago suas mãos eram escamosas, possuíam garras cinzas enormes e tão afiadas quanto navalhas. A pobre menina nem teve chance de gritar quando foi agarrada pelas costas e puxada para dentro do lago. O agito parou e por 2 minutos se fez o silêncio.

Em um susto, Marília saiu da água. Respirando forte, tossindo muito e sentindo-se fraca, a garota se apoiou na borda e subiu para a terra. De joelhos sobre o limo ela tossiu ainda mais, olhou para seu braço e viu a pulseirinha de pérolas, com a mão tocou seu cabelo escorrido e ensopado, notou que a presilha estava bem presa. Sem olhar para trás, a menina correu para fora do bosque e para longe daquele lago. De frente para o portão de madeira, parou de correr e se acalmou, empurrou-o e passou. Antes de fechá-lo, viu a luz dentro do bosque se acender novamente. Voltando para perto da casa fitou a gaiola pendurada na área de serviço, abriu a portinha e disse.

— Olá passarinho… 

Sentados na poltrona perto da porta da varanda, a mãe de Marília ria enquanto contava alguma história para as pessoas ao redor. Seu pai, sentado no braço do móvel, sorria e fingia interesse enquanto fumava um gordo charuto. A vida era perfeita, mas não tanto. Sua filha apareceu parada na grande porta dupla da varanda. Toda molhada e pingando.

— Meu deus do céu, Marília! — A mãe da garotinha exclamou, mas não obteve resposta. — Como conseguiu fazer isso em apenas cinco minutos?

— Pobrezinha, caiu na piscina? — Perguntou uma das mulheres na sala, enquanto chegava perto. — Está tão quente. Será que está com febre?

— Vá buscar uma toalha para ela, querido. — A mãe gesticulou para o marido fazer algo antes de tocar a testa da garota que começava a chorar. — Não parece ser febre. — Estranhou a temperatura da filha que estava molhada em uma noite fresca como aquela.

— Se machucou, querida? Tem um pouco de sangue no vestido. — Falou o velho gordo, dono da fazenda, ajoelhado ao seu lado.

— Não sei, acho que não… — A menininha respondeu, soluçando e enxugando as lágrimas.

O pai chegou com uma toalha, cedida pelas empregadas da casa. Pegou a menina e a levou para o banheiro para tirar a roupa ensopada. Enrolou a garota na toalha e depois a família se despediu do anfitrião e dos demais convidados da festa. No carro, jogou o pacote pardo recheado de cruzeiros no banco de trás e acomodou a garota logo em seguida. A mãe entrou no veículo furiosa com a travessura, esbravejava colericamente sobre como a menina sempre conseguia os envergonhar. Era uma reação típica dela. Enquanto o carro sacolejava novamente na estrada de terra por entre as planícies iluminadas pela lua, Marília parou de chorar, pegou o pacote pardo, colocou-o sobre o colo, tocou a pulseirinha de pérolas e tornou a olhar para a paisagem, pensando em Schwarzwald com um leve sorriso no rosto.

Sobre o autor: Pintor, Designer, Músico e Escritor. Um apreciador do tenebrismo do Barroco e as paisagens bucólicas do Realismo, mas na literatura e cinema prefere o Terror viceral. Tem um estilo direto e simples, gosta de explorar uma narrativa dinâmica em um contexto que chama de Horror Interiorano Retrô. Contando histórias em cenários de cidades pequenas em um passado recente atormentado por monstros, demônios e esquisitices. G.F. Rodrigues traz histórias para os apreciadores dos clássicos dos anos 70 e 80.

Siga o autor:

Adquira seu exemplar da coleção Ecos & Silêncio

Adquira seu exemplar da coleção Ecos & Silêncio

Apresentado pelo enigmático Amadeus Cripta, guardião dos segredos mais sombrios escondido nas profundezas de uma antiga catacumba, "Ecos & Silêncio - Volume 1" é uma coleção imperdível de contos macabros que promete arrepiar até as almas mais corajosas. Neste volume você encontrará Vozes do Submundo, O Jugo da Escuridão, Safra Perfeita e Ventos Passados. Sente-se, relaxe e desfrute da escuridão.

Vozes do Submundo: Um conto cheio de aventura e criaturas sinistras, onde o irmão mais velho embarca numa jornada desesperada para salvar o mais novo.

O Jugo da Escuridão: Um jovem promissor, recém-promovido, é surpreendido pela violência à porta de sua casa. Durante treze dias, as coisas irão piorar expressivamente, mergulhando-o num abismo de desespero e medo.

Safra Perfeita: As coisas não vão bem na fazenda dos Maldonado. A filha do fazendeiro, Elisa, tem revelações terríveis e observará mudanças bizarras na fazenda. Será uma oportunidade ou uma maldição?

Ventos do Passado: A história de Celina. Uma mulher na meia idade, ávida por livros de romance. Desejosa por um amor idealizado, ela o recebe de onde menos espera.

----------

Ano: 2024

ISBN: 9786501106076

Páginas: 92

Papel: Polen 80g

Formato: 14x21cm

Acabamento: Brochura

Visite a loja

Faça parte do Fiend Club

Não perca mais nenhuma publicação da E&S

Outros Contos e Artigos

Ted Lima é um colunista, ferrenho defensor da moral e ética na política. No entanto, se vê corrompendo sua vida privada com um caso extraconjugal....
Em um inóspito vilarejo medieval, uma lenda macabra e sangrenta estava prestes a nascer. Amaldiçoada com um defeito de nascença no rosto, a jovem Hazel...
Um ano após o misterioso desaparecimento das gêmeas Heather e Ana Watters, as garotas deixaram o chalé de seus pais e saíram em uma nevasca...
Marília é uma garotinha entediada que se sente abandonada pelos próprios pais. Em mais uma festa chata de trabalho do seu pai, ela irá encontrar...

Faça parte do Fiend Club

Não perca nenhuma publicação. Além de receber conteúdos exclusivos e promoções diretamente em sua caixa de emails.

Tudo isso completamente grátis!