Não posso parar…
Dirigir de madrugada é sempre uma mistura de cansaço desgastante e tensão. A cabeça fica dividida em focar na estrada e se manter acordado. Você conta os segundos para chegar aonde quer que seja, porque cada curva só te leva à próxima. Se eu gosto disso? Nem um pouco. Viajar já é um problema para alguém na minha idade, imagine para tão longe. Coloquei uma música no rádio para afastar o sono, mas não estava dando certo. O café que tomei no posto e o energético que comprei por lá já tinham perdido o efeito. Faltava pouco mais de duas horas para chegar e eu ainda estava considerando a ideia de parar o carro na beira da estrada e descansar um pouco para depois seguir.
Quase três da manhã, o rádio começa a chiar. Seria normal se estivesse tocando algo de alguma emissora, mas estava tocando música do meu celular. Liguei e desliguei, mas o som começou a ficar pior e, do nada, o áudio subiu sozinho e, com um estalo, o som sumiu. Inferno! Agora, sem música. Não havia um carro, uma viva alma sequer naquela rodovia, então, de repente, vejo lá na frente, com o farol alto, um ponto branco no acostamento.
Ao chegar mais perto, percebo que era uma pessoa, uma mulher. Vestido longo, branco, rodado e muito grande, parecia ter saído de uma festa de casamento. Quase parecia que o brilho da noite estava vindo dela, como se houvesse a fonte da luz que iluminava aquele trecho na estrada. Diminuo a velocidade e vou chegando perto. É claro que meu coração estava acelerado e eu simplesmente não sabia o que fazer. Passo ao lado quase parando e ela está simplesmente imóvel, não parece nem respirar. O rosto estava borrado de modo estranho. Apesar de o cabelo atrapalhar, não dava para ver a cara daquela mulher. Eu me senti tonto tentando focar para tentar enxergar seus olhos.
É então que sinto uma presença dentro do carro. Uma pressão vem do banco de trás como se alguém tivesse se sentado. Devagar, olho pelo retrovisor e, quando olho para frente, não vejo mais aquela pessoa. Solto o cinto e me viro para trás com o corpo para ver se, de alguma forma, ela entrou no carro. Não, mas quando me viro para frente, um susto. Ela está do lado da minha porta, olhando com a cabeça baixa, ainda imóvel. Seu rosto está desfigurado, sujo. Algo escorria de sua boca, um líquido preto nojento. Seus cabelos parecem ter vida e eram a única coisa que se mexia naquela cena assustadora. Ato instintivo, acelero o carro e fujo. – Meu Deus! Nossa! Meu Deus! O que foi isso?! Era uma alma? Um demônio? – Começo a me perguntar e me lembro das histórias de terror da região. Da mulher que teve sua vida tirada de forma violenta e, por conta da promessa que fez dizendo que faria o mesmo contra todos, vagava pela terra atacando os viajantes. Nesse momento, percebo que não me lembro do rosto daqueles que me contaram. Foram as pessoas que me atenderam no posto de gasolina. Como posso não me lembrar? Por que está tudo bagunçado na minha cabeça?
O rádio volta a funcionar e parece que o ar ficou leve do nada. Acelero ainda mais o carro. Dane-se o limite de velocidade. Continuo dirigindo por mais uma, duas horas sem diminuir a velocidade e sem parar de pensar naquela cena, então, do nada, meu coração dispara. Lá na frente, eu vejo… sentada na mesma posição de antes, mas desta vez, olhando para mim… olhando dentro da minha alma.